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A participação das mulheres pela Independência do Brasil

No dia 7 de Setembro de 2022, a independência política do Brasil em relação a Portugal completa duzentos anos. Ao ler essa frase ou ao ouvir alguém falar sobre a tal “Independência do Brasil”, que imagem vem à sua cabeça?


Uma resposta comum para essa pergunta é o famoso quadro pintado por Pedro Américo, em que Dom Pedro aparece montado em um cavalo branco às margens do rio Ipiranga, empunhando uma espada e se pronunciando para uma população de homens. Esse pensamento é compreensível, já que o contexto de produção desse quadro (quando a independência completava mais de cinquenta anos) era justamente sustentar uma imagem de herói nacional e valorizar a face militar dessas personalidades masculinas representadas pelo pintor a mando da própria família real.


"Independência ou Morte", obra de Pedro Américo, 1888.

Contra a narrativa do quadro, talvez você nunca tenha parado para pensar sobre a participação das mulheres ou não conheça nomes importantes que ficaram registrados na história - e é isso que propomos com esse texto. Mas antes, vamos entender rapidamente como esse processo se desenrolou.



O processo histórico e social até a Independência


Desde a colonização portuguesa até a proclamação da Independência, em 1822, o Brasil era governado pela Coroa, que exercia controle político, econômico e social sobre o país. Nesse período da história, foram recorrentes os episódios em que grupos de diversas classes sociais - desde a elite até escravizados - traduziram essa situação de exclusão em manifestações contra a forma que esse domínio era exercido, como nas revoltas armadas do Império. O ponto importante é que dentre essa parcela da população contra o governo colonial estavam diversas mulheres, tanto nas revoltas armadas, como nos “bastidores” na Independência.


“Foram descobertos, tanto no Rio de Janeiro quanto na Bahia, inúmeros manifestos, escritos e assinados por mulheres, que defendiam a separação de Portugal, que defendiam a cidadania, a liberdade e que se insurgiram contra as medidas das cortes, medidas tomadas por Dom Pedro I, ou atitudes adotadas pelas lideranças locais”,

disse Cecília Helena de Salles Oliveira, docente da USP e do Museu do Ipiranga, em entrevista à CNN Brasil. Quanto às mulheres escravas, trabalhadoras e pobres, eram grandes responsáveis pela circulação e produção de produtos e, em muitos casos, de ideias do projeto pró independência.



Mulheres que fizeram história


Maria Felipa: na luta armada pela independência

Maria Felipa de Oliveira. Coleção Gilberto Ferrez/Acervo Instituto Moreira Salles in ERMAKOFF, George. O negro na fotografia brasileira do Século XIX. Rio de Janeiro: George Ermakoff Casa Editorial, 2004. p. 22.

Mulher negra, Maria Felipa de Oliveira viveu na Ilha de Itaparica e foi responsável por lutar contra os portugueses pela independência. Sua morte é datada em 1873, sendo que não se sabe ao certo o ano em que nasceu.


Dentre todas as mulheres aqui apresentadas, Maria Felipa é a que apresenta uma classe social mais abastada para a sociedade colonial e esse é um dos motivos pelo qual não se têm muitos documentos escritos que atestam sua vida. Em contrapartida, as histórias de luta e bravura de Maria Felipa são recorrentes até hoje na cultura oral do lugar onde viveu.









“[...] Desde cedo aprendeu a trabalhar como marisqueira, pescadora, trabalhadora braçal que aprendeu na luta da capoeira a brincar e a se defender, que vestia saias rodadas, bata, torso e chinelas, foi líder de um grupo de mais de 40 mulheres e homens de classes e etnias diferentes, onde vigiava a praia dia e noite a fortificando com trincheiras para prevenir a chegada do exército inimigo, e organizava o envio de alimentos para o interior da Bahia (recôncavo), atuando na luta pela libertação da dominação portuguesa."

Trecho de “Maria Felipa de Oliveira - Heroína da Independência da Bahia”, de Eny Kleyde Vasconcelos Farias.


Ela viveu em um contexto conturbado causado pelas Guerras de Independência. Já em 1822, o comandante militar Madeira de Melo tenta tomar a ilha de Itaparica para depois partir para Salvador, ocupada naquele momento pelos revoltosos. Acontece que as tropas portuguesas foram surpreendidas por um ataque de Maria Felipa, que acompanhada por um grupo de mulheres da ilha, se muniu de peixeiras, tochas e outras armas, capazes de derrotar as embarcações portuguesas.


Além disso, o trabalho de Maria como marisqueira ofereceu grande conhecimento sobre a cidade, sobre as matas e sobre a natureza, elementos indissociáveis da sua participação na luta pela Independência do Brasil e que fizeram com que seu papel fosse de uma exímia estrategista.


Hipólita Jacinta (1748 - 1828): uma inconfidente ativa


Hipólita Jacinta Teixeira de Melo. Ilustração por Arthur Starling, 2022; Acervo do Projeto República/UFMG.

Hipólita Jacinta nasceu em Prados/MG e foi uma importante contribuinte da Inconfidência Mineira, um movimento contra o governo colonial que tomou forma no final do século XVIII.

Mulher, filha de pais ricos, Hipólita teve acesso à cultura e ao conhecimento. Essa realidade social também possibilitou que ela contribuísse com os conspiradores de formas diferentes, como cedendo a fazenda de que era proprietária, chamada Ponta do Morro, para que os inconfidentes pudessem se reunir e organizar a revolta.


Dentre os momentos importantes em que ela esteve presente está maio de 1789, em que foi uma das primeiras pessoas a receber a notícia da prisão de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Hipólita logo se encarregou de escrever três mensagens, sendo que uma delas era destinada ao seu marido e contava sobre o perigo dos revoltosos serem delatados (como aconteceu com Tiradentes), além de dar ordens para que o levante armado se iniciasse em Minas Gerais.

“Dou-vos parte, com certeza, de que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério dos Reis e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se ponham em cautela; e quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra.”

Mensagem enviada por Hipólita ao marido e que demonstra seu compromisso com o projeto da Inconfidência, tão importante no que viria a ser a Independência do Brasil.


Outro momento importante dela na Inconfidência foi o episódio em que um dos conjuradores, acusado de cometer crimes de lesa-majestade (contra a Coroa portuguesa) escreveu cartas denunciando os próprios revoltosos para tentar reduzir sua pena, mas Hipólita conseguiu interceptá-las e queimá-las na tentativa de preservar os revoltosos.


Por todos os seus feitos e tendo sido uma importante inconfidente, em 1999, mais de um século e meio após sua morte, foi homenageada com a Medalha da Inconfidência, a condecoração mais importante concedida pelo governo de Minas Gerais.



Maria Quitéria (1792 - 1853): se vestiu de homem para lutar

Maria Quitéria, pintada por Domenico Failutti, 1920.

A baiana Maria Quitéria pediu permissão ao pai para se alistar no combate contra as tropas portuguesas , mas ele não deixou. Sendo assim, com o apoio da irmã e sem seu pai saber, Maria Quitéria se vestiu com as roupas do cunhado, cortou o cabelo e se alistou para a artilharia, com o pseudônimo de José Medeiros.


Um tempo depois, porém, seu pai descobriu e foi buscar a filha, mandando que voltasse para a casa. Maria não quis. Com isso, os oficiais descobriram o disfarce e mesmo assim ficaram do seu lado, pois ela era disciplinada e se destacava por atirar muito bem. Após isso, foi transferida para o Batalhão dos Periquitos, conhecido assim pelo verde nos punhos e nas golas dos uniformes. Liderando um grupo de mulheres, combateu na Baía de Todos os Santos e lutou nas batalhas de Pituba e Itapuã. Com sua ajuda e bravura, os baianos expulsaram as tropas portuguesas de Salvador.


Em 1823, quando os portugueses foram derrotados, Maria recebeu do próprio D. Pedro I o grau de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro. Ficou famosa e conheceu a escritora britânica Maria Graham (1785-1842), que cuidou dos filhos de Leopoldina e D. Pedro I no Rio. Maria viajava bastante e escreveu suas opiniões sobre o Brasil no “Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada nesse país durante parte dos anos 1821, 1822 e 1823”. Sobre Maria Quitéria, ela escreveu:

“Ela é iletrada, mas inteligente. Sua compreensão é rápida e sua percepção aguda. [...] Não é particularmente masculina na aparência; seus modos são delicados e alegres. […] Não há nada de muito peculiar em suas maneiras à mesa, exceto que ela come farinha com ovos ao almoço e peixe ao jantar, em vez de pão, e fuma charuto após cada refeição, mas é muito sóbria.”

A baiana Maria Quitéria escreveu seu nome na história do Brasil, desafiando o sistema vigente e com determinação, fez o que queria fazer. Em 1953, 100 anos após a sua morte, o ministro da Guerra determinou que o retrato de Maria Quitéria fosse colocado em todos os quartéis e unidades do Exército. Em 1966, foi reconhecida como Patrona do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro.



Maria Leopoldina (1797 - 1826): foi ela quem assinou a Independência

Retrato de Maria Leopoldina por Josef Kreutzinger, 1815.

A austríaca Maria Leopoldina foi fundamental para o processo de Independência. Ela geralmente é lembrada apenas como a esposa de D. Pedro I. Segundo a historiadora Lilia Schwarcz em entrevista à CNN Brasil, Leopoldina era sábia, falava várias línguas, assumia a regência do país quando o imperador se ausentava e estudou sobre o Brasil antes de vir para cá. Além disso, “Ela foi sempre uma voz ativa no sentido de pressionar Dom Pedro I para que patrocinasse um rompimento com a metrópole portuguesa.”


No início, D. Pedro se mostrava muito conservador e obediente às ordens de Portugal, mas aos poucos Leopoldina mudou as resistentes opiniões de seu marido.


Leopoldina esteve envolvida no Dia do Fico, 9 de janeiro de 1822, em que D. Pedro I decidiu ficar no Brasil permanentemente. Neste dia, o imperador havia recebido uma carta da Corte Portuguesa exigindo que voltasse para Portugal.


No ano de 1822 aconteceram diversos movimentos em todo o país e o imperador viajou para tentar contê-los. Enquanto estava em São Paulo e a imperatriz era a regente, ela recebeu a notícia de que mais de 7 mil soldados chegariam de Portugal para obrigá-los a voltarem ao país. No dia 02 de setembro de 1822, Leopoldina chamou o Conselho de Estado e assinou um decreto que tornava o Brasil independente de Portugal. Depois, escreveu uma carta ao D. Pedro I explicando o que aconteceu e pedindo que ratificasse a independência, o que ele fez dias depois, em 07 de setembro de 1822.


Sessão do Conselho de Estado, obra da pintora Georgina de Albuquerque em 1922.

A memória dessas mulheres


Em 2008, Maria Felipa e Maria Quitéria tiveram seus nomes escritos no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria - livro de aço que reúne o nome de diversas pessoas que se destacaram em momentos importantes da história do país. De 52 nomes, apenas 9 são de mulheres. Isso evidencia o que já percebemos: o silenciamento e apagamento da importante participação feminina na história do país. Maria Felipa, Hipólita, Maria Quitéria e Maria Leopoldina são apenas algumas das mulheres que participaram ativamente do processo de Independência brasileira. Há muitas outras que ajudaram mas que não sabemos seus nomes, principalmente pela falta de registros oficiais. Neste bicentenário da Independência do país, é importante reconhecermos a participação delas para que a imagem da Independência não seja apenas a de D. Pedro próximo ao rio Ipiranga, mas também que faça parte as atuações corajosas de diversas mulheres, que costumam ser esquecidas nesta data.


Se você gosta de ouvir podcasts, o podcast “Mulheres na Independência” produzido pelo Globoplay e narrado pela escritora Antonia Pellegrino e a historiadora Heloisa Starling, conta as histórias de mulheres que foram fundamentais para a Independência do país. O podcast é baseado no livro “Independência do Brasil: as mulheres que estavam lá”, organizado e escrito por elas (Editora Bazar do Tempo, 224 páginas).



Referências

 

Mineira, Saula nasceu em 1998 e desde criança queria estudar as estrelas.

Estudou Física de Materiais na universidade e descobriu que seu amor por literatura e escrita era maior do que ela pensava.

É redatora do ElaSTEMpoder, está sempre lendo algum livro e adora filmes de animação.



Millena tem 17 anos, é redatora ElaSTEMpoder e estudante do curso técnico em Informática, mas com o coração nas Ciências Humanas. Mineira apaixonada em pão de queijo com café a qualquer hora do dia e uma boa MPB.


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