Quantas mulheres indígenas na ciência você conhece?
Esse mês estamos celebrando aqui no ElaSTEMpoder a temática dos povos indígenas. Muito se sabe da luta cotidiana desses povos no cenário político do país, buscando respeito, igualdade e reivindicando suas terras, mas você já parou pra pensar qual o espaço as mulheres indígenas ocupam na ciência brasileira?
É uma luta recente e que não vem sem desafios. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), desde a inserção de programas de incentivo à educação dos povos indígenas, houve um aumento de 620% no número de mulheres indígenas ingressantes em cursos superiores desde o ano de 2009. Então porque a gente vê tão poucas no ambiente universitário?
A grande questão se encontra não no ingresso, mas sim na permanência dessas mulheres nos cursos de nível superior. Abaixo, separamos mulheres inspiradoras que contam suas batalhas no acesso ao ambiente científico brasileiro!
MIRIAM DE MORAES VIEGAS
De etnia Guarani Nhandewa, Miriam tem 40 anos e foi uma das primeiras indígenas a se formar como médica no Brasil. Durante sua trajetória como estudante de medicina, ela diz que a dificuldade para acompanhar as aulas era significativa. No curso, ela enfrentou o preconceito de diversos colegas e até mesmo de uma professora, que dizia que “o ambiente acadêmico não era a tribo” da jovem e nem da irmã, que estudava junto com ela.
A médica Miriam de Moraes Viegas
“Foi difícil ter o reconhecimento da turma, pois muitos achavam que tínhamos roubado as vagas regulares e expressavam certo rancor sobre isso. Felizmente, tive os amigos que me abraçaram e me ajudaram, embora sempre pairasse sobre nós o mesmo olhar: 'Elas não vão aguentar, serão desistentes”
A esse desafio também foi adicionado o fato de que Miriam começou a sua trajetória na faculdade como mãe. "Na época em que prestei o vestibular, minha filha estava com um ano e três meses. Achei que seria puxado seguir medicina. Mulher, mãe solteira, indígena... médica? Eu sabia que enfrentaria preconceito, mas decidi ir em frente porque estava junto com minha irmã e minha mãe". Infelizmente, a mãe e a irmã acabaram, como muitas mulheres indígenas, desistindo de seus cursos e não obtendo um diploma.
Mas Miriam persistiu na luta e se formou em 2016 como médica pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Hoje em dia, ela atende nove aldeias no interior de São Paulo, onde percorre mais de 100 quilômetros em áreas de difícil acesso todos os dias. Com a pandemia, ela tem atendido cerca de 550 indígenas e coordena uma equipe de médicos, enfermeiros, técnicos e dentistas na conscientização da prevenção da COVID-19 em aldeias.
DARA RAMIRES LEMES
Outra referência indígena na área médica é a Dara Ramires Lemes. A jovem se formou em medicina aos 25 anos e acabou de se tornar primeira médica indígena generalista do Mato Grosso do Sul. Assim que se formou na faculdade, Dara voltou para sua comunidade kaiowá e atende os pacientes falando a própria língua materna, o guarani.
“Percebo que as pessoas se sentem mais à vontade falando a língua nativa. Todos eles, assim como eu, também falam português. Porém, é um conforto saber que estamos dialogando na mesma identidade cultural”.
Dara Ramires Lemes
Sobre o cenário da presença de indígenas em áreas como a saúde, Dara se mostra bem otimista:
“Eu acredito que muito em breve teremos mais e mais profissionais assim como eu no sistema de saúde. Já existem universitários cursando enfermagem, odontologia e áreas afins que também são filhos de diferentes etnias. Com certeza, assim como eu, também irão se somar no futuro dos povos indígenas”, disse.
CÉLIA XAKRIABÁ
Célia é ativista e pesquisadora formada na primeira turma do curso de Educação Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além disso, ela é a primeira de seu povo a se formar em um mestrado, após ter estudado Desenvolvimento Sustentável na Universidade Federal de Brasília.
"O importante não é ser a primeira, e sim não aceitar ser a única” - Célia Xakriabá
“Ocupar esse lugar é trazer outra ciência para o tronco do debate (...) e reafirmar o compromisso redobrado de não ser a última doutoranda indígena, além de questionar por que, em pleno século 21, somente agora estão chegando as primeiras mulheres indígenas nas universidades".
Para garantir que outras mulheres indígenas tenham acesso à cursos de ensino superior, Célia se tornou também a primeira a fazer parte da Secretaria de Educação de Minas Gerais, onde pauta o apoio à jovens e mulheres Xakriabás e estuda, no doutorado, a conservação de línguas indígenas ameaçadas.
COM SE ENVOLVER
Atualmente, existem diversos programas e projetos sociais que visam incentivar o ingresso e a permanência das mulheres indígenas no ambiente acadêmico. Ficou interessado em ajudar ou saber mais? Separamos alguns deles pra vocês!
Curso Pré-Universitário Jenipapo Urucum – parceria criada entre a Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) e o grupo L’Oréal para o Futuro, o curso vai receber em 2021 meninas de 50 etnias diferentes de todo o Brasil para se prepararem para o Enem.
Coletivo Voz das Mulheres Indígenas – Em parceria com a ONU Mulheres e a Embaixada da Noruega, o coletivo lançou em 2018 um livro com publicações contando a trajetória de 23 mulheres articuladoras da iniciativa para conscientizar e lutar pelos direitos das mulheres indígenas no Brasil. Além disso, promovem regularmente debates em escolas e instituições sobre a cultura indígena e desafios das mulheres desses povos no século 21.
LabElas e Associação de Mulheres Indígenas Guerreiras de Pankararu (Amigp) – A parceria visa a introdução de mídias digitais e softwares livres na Escola Estadual Indígena Pankararu Ezequiel, em Pernambuco. O projeto visa ministrar cursos de educação digital para capacitar meninas indígenas na produção de rádio documentários, podcasts e fanzines sobre cultura indígena e etnojornalismo.
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