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Investimento na Ciência: a importância de um ambiente acadêmico mais diverso

CoronaVac, coração artificial e o exoesqueleto que fez uma pessoa paraplégica chutar uma bola na abertura da Copa do Mundo em 2014. O que essas contribuições têm em comum? Eu te digo: são frutos da ciência brasileira.

E de onde essas contribuições saem? Como é feita a ciência? Quem são as pessoas por trás dessas invenções? Onde vivem, o que fazem? Hoje, no Globo Repórter. Agora falando sério, a pesquisa científica no Brasil acontece dentro dos principais centros de pesquisa brasileiros, as universidades públicas. E os responsáveis por fazer ela acontecer, por publicar artigos, desenvolver teorias e testá-las e contribuir com a geração de conhecimento são os professores, alunos de graduação e pós-graduação: nossos cientistas. Eles são nossos produtores de ciência e os seus salários são o que chamamos de bolsas de pesquisas, fornecidas principalmente por agências de fomento à pesquisa, como a CNPq, CAPES e Fundações de Amparo à Pesquisa. Mas será que as necessidades básicas, não apenas para realizar seus estudos mas também para viver, têm sido atendidas? É o que vamos falar mais abaixo.

A falta de recursos das universidades

As principais universidades geradoras de produção científica no Brasil são públicas, como podemos ver abaixo na tabela de uma pesquisa realizada pelo Clarivate Analytics em 2019.

Fonte: https://jornal.usp.br/universidade/politicas-cientificas/15-universidades-publicas-produzem-60-da-ciencia-brasileira/

Diante de todos esses números e de rankings, além do último ranking da Times Higher Education que coroou a USP como a melhor universidade da América Latina, pode-se pensar que na verdade o investimento para universidades públicas deve estar atendendo a todas as necessidades relacionadas à infraestrutura dos institutos, aquisição de recursos e pagamento de salários/bolsas, mas essa não é bem a realidade. Basta ir em qualquer universidade pública para entender que a educação não está entre as principais prioridades do nosso (anterior) governo; do atual, podemos apenas torcer que faça jus às promessas e apoios depositados.

Para exemplificar melhor, a UFRJ, uma das maiores universidades públicas do nosso país, ameaçou fechar as portas duas vezes nos últimos 2 anos (em 2021 e em 2022). Outras 16 universidades também correram risco de interromper as atividades no ano passado, dentre elas a UFPR, UFPA e UFJF. Então o que podemos nos questionar é: se já fazemos tanto com tão pouco, imagine o que poderíamos fazer com um investimento que valorize nossos professores e pesquisadores? Isso nos leva ao nosso próximo ponto:

A consequente falta de investimento em bolsas de pesquisa

No começo desse ano, conquistamos uma vitória para a ciência brasileira: o reajuste no valor das bolsas de pesquisa (Iniciação Científica a Pós-Graduação), algo que não víamos acontecer há 10 anos. E mesmo assim, isso só veio depois de muita dificuldade, já que 2 meses antes, na reta final do governo Bolsonaro, com o contingenciamento de verba do Ministério da Educação, a CAPES anunciou que não conseguiria pagar mais de 200 mil bolsistas. Isso significa mais de 200 mil pessoas trabalhando sem receber seus SALÁRIOS, a sua renda - porque eles podem até ficar sem receber a bolsa, mas se o contrário acontecer (pararem de trabalhar com bolsa) precisam devolver o dinheiro recebido até então. Sem mencionar que bolsistas não podem, por lei, realizar qualquer outro tipo de atividade remunerada, correndo o risco de perder a bolsa (felizmente em julho a Capes flexibilizou a norma sobre o acúmulo de bolsas e atividades remuneradas). Além da falta de direitos trabalhistas básicos, como 13º, FGTS, férias, seguro desemprego, e por aí vai. Falando no que não é garantido, vamos ver o que é exigido (para programas da pós-graduação):

  • 40h de dedicação semanal;

  • dedicação exclusiva (remunerada ou não);

  • tempo para leitura, escrita e publicação de artigos, participação em congressos e simpósios, dar aula, assistir aula, fazer divulgação científica;

  • e não, não é “só” estudar!

Pois é, não parece muito justo, né? Isso apenas mostra como, apesar da mais recente conquista, ainda estamos muito distantes de realmente valorizar nossos cientistas como merecem: como profissionais.

E essa última década de extremo desprezo por nossos pesquisadores faz com que pessoas que inicialmente desejam contribuir com a ciência tomem um dos dois rumos: sair do Brasil em busca de maior valorização, ou mudar para uma área mais estável, como tecnologia (em bancos, startups, etc). E os que optam por permanecer no Brasil fazendo ciência serão, em sua grande maioria, aqueles cujas condições financeiras não deixará que sejam tão afetados pela instabilidade que uma carreira acadêmica traz. E, assim, nos deparamos com um cenário acadêmico longe de representar, de fato, o Brasil: elitista e menos diverso.

A migração de cérebros - para outros países e outras áreas

Vamos olhar para os nossos principais pontos resultantes da desvalorização de cientistas e geradores dessa desigualdade acadêmica. Primeiro, temos a fuga de cérebros. Nossos estudantes recebem uma das melhores formações do mundo, comparável até com as de renomadas instituições na Europa e Brasil e, no fim, por não sentirem que têm de fato um futuro estável no Brasil, acabam saindo do país em busca de oportunidades que de fato os ajudem a pagar as contas, fenômeno chamado de “fuga de cérebros” ou, em inglês, “brain drain”. De acordo com o último levantamento do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos, em 2022, existem de 2 a 3 mil cientistas brasileiros trabalhando no exterior. Isso nos mostra que o resultado é: preparamos pesquisadores extremamente qualificados para, então, apenas perdê-los para quem realmente irá valorizá-los.

Segundo, temos a migração de jovens cientistas para áreas mais financeiramente estáveis mas que não eram seu objetivo inicial. Com o crescente investimento das Tech Startups, e considerando que, na maior parte dos casos, fazer ciência vai exigir uma certa experiência com análise de dados, programação e alto raciocínio lógico - habilidades muito desejadas por essas organizações - vemos pessoas com formações em ciências puras tendo que fazer um desvio dos seus sonhos. Porque, no fim, mesmo que fazer ciência seja sua paixão, isso não é suficiente para pagar as contas. E, de um ponto de vista pessoal, é extremamente frustrante ver pessoas com grande sonhos para uma carreira acadêmica precisando abrir mão de seus sonhos para poder fazer o básico: sobreviver.

Vamos supor até que mesmo que pensemos em um plano para apenas nos afastarmos brevemente da academia, ganharmos uma certa estabilidade financeira no meio corporativo ou em algum outro meio que traga mais retorno financeiro, e depois voltarmos - mesmo assim, as regras que regem a ciência brasileira realmente não estão ao nosso favor. Esse tempo fora significa uma produção científica reduzida (traduzindo, não estaremos produzindo artigos e resultados que provem contribuição científica), o que acaba “manchando” nosso Lattes, o sistema utilizado para verificar todo o trabalho de um cientista, desde que entrou na graduação. E por que isso é importante? É ele que vai ser usado para analisar a carreira de um pesquisador durante seu processo de candidatura em programas de pesquisa e bolsas (CAPES, CNPq, FAPESP, etc). E se você tem esse “buraco” no seu Lattes, suas chances de conseguir uma bolsa são bastante reduzidas, o que quer dizer: sem salário! Conclusão: ou permanece ou sai de vez. Essa questão é o que o Olavo Amaral, do Nexo Jornal, afirma ser um “problema crônico do mundo acadêmico”, uma vez que a contratação ou aceitação de algum pesquisador ou professor só vai levar em consideração seus trabalhos acadêmicos, descartando a possibilidade de uma trajetória fora desse universo.

Uma academia elitista e menos diversa: por que isso é um problema?

Como resultado dessa migração de cientistas tanto para outros países quanto para outras áreas, temos representando o cenário acadêmico brasileiro, em sua maioria, pessoas que já são financeiramente estáveis, de modo que o corte de bolsas, o valor baixo delas e a falta de direitos trabalhistas não sejam um problema que vá gerar um grande impacto em suas vidas. Dessa forma, pessoas de origem periférica, marginalizadas, que agora podem ter acesso à universidade graças às cotas, não podem seguir com seus sonhos e precisam abandoná-los. E essas pessoas, em sua maioria, vão ser pessoas não-brancas, que já sofrem inúmeros outros problemas na vida: racismo, falta de acesso a oportunidades, exclusão social espacial, dentre outros. E a ciência não vai estar a favor delas.

Mas, novamente, qual o problema da falta de representatividade dessas pessoas na academia? Eu te explico: cientistas buscam resolver problemas, responder perguntas ainda não respondidas. Se as pessoas que estão tentando resolver esses problemas são, em sua maioria, brancas privilegiadas financeiramente e, majoritariamente, homens, de quem são os problemas que eles estarão tentando resolver? Os que eles vivem ou os que as outras pessoas, com as quais eles não convivem e que passam por situações que eles nem imaginam existir, enfrentam? Como consequência disso, teremos pesquisas científicas que não vão contemplar todas as necessidades de uma população tão diversa quanto a brasileira.

E para além da questão de justiça social, temos também o ponto de criatividade na resolução dos problemas cujas respostas queremos encontrar. O estudo “The Diversity–Innovation Paradox in Science”, realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford ao longo de 30 anos mostrou como estudantes que não têm uma origem privilegiada demograficamente apresentam trabalhos mais inovadores que mesmo assim não são tão valorizados quanto os trabalhos de colegas mais privilegiados socialmente.

Para alcançarmos maior diversidade na academia, é necessário garantir que essas pessoas social, demográfica e financeiramente excluídas, e que ainda são minoria em força, mas maioria em números, tenham condições de permanecer na universidade durante as fases que antecedem a fase de pesquisa na pós-graduação: a graduação. E voltamos ao início, e à importância de investimento para universidades e à importância dessas universidades investirem em políticas e programas de permanência para grupos sub-representados. Ou todos os efeitos mencionados anteriormente vão acontecer. Consegue ver? Está tudo conectado quando falamos de investimento para a ciência e educação.

 

Aline Montenegro é uma cearense estudante do 3º ano do curso de Geofísica no IAG-USP, onde realiza IC na área de Sismologia. Recentemente, ela foi um dos 7 graduandos ao redor do mundo a participar do 2023 EarthScope International Undergraduate Internship for Seismology and Geodesy Skills Building. Além disso, é Fellow Voices that Inspire da Vital Voices 2021 e co-fundadora do ElaSTEMpoder.



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